Ainda é noite quando chegamos aos pés da imponente seringueira. Munido de suas ferramentas e iluminado pela luz da poronga está Sebastião Mendes. Ele, um seringueiro de expressões fortes, conta os causos vividos nos seus 45 anos de atividade na floresta.
Aos 60 anos, Sebastião não pode mais trabalhar, mas é ele quem vai nos acompanhar nessa madrugada fria no coração da Floresta Amazônica.
Velha rotina
Andando com dificuldade, vai se apoiando nas árvores e explicando os detalhes de sua profissão.
“É boa a frieza da manhã, porque no calor o látex não escorre”, conta.
Ao seu lado, Nilson, irmão de Sebastião e primo de Chico Mendes, completa o depoimento.
“O seringueiro extrai o látex duas vezes por semana. Cada árvore só pode ser cortada uma vez a cada entrada, caso contrário o látex não escorre”, diz.
Na estação chuvosa, que na Amazônia dura cerca de quatro meses, os seringueiros sobrevivem da cata da castanha. O látex deixa de ser, momentaneamente, a principal fonte de renda de famílias inteiras que vivem no Seringal Cachoeira.
Na colocação, como eles chamam o assentamento, vivem 87 famílias de pequenos produtores rurais. Todos se habituaram a viver do que a floresta oferece.
Eles preservam o que pregava o primo, que alcançou fama por suas ideias vanguardistas de sustentabilidade. As propriedades têm, em média, apenas dez por cento de sua área desmatada para o cultivo e sustento dos seus moradores.
A voz de Fernanda Mendes, filha de Nilson Mendes e que hoje gerencia a Pousada Ecológica Seringal Cachoeira, sai com dificuldade ao falar de sua admiração pelo tio que não conheceu.
“Eu nasci logo depois que ele foi assassinado, mas eu tenho uma admiração muito grande por ele e pelo que ele fez. Eu tenho dois fãs dele dentro de casa, que são meus pais, então é impossível eu não conhecer as histórias. Eu cresci ouvindo a minha avó e a minha tia que ainda era criança e que também participaram do embate, contarem essas histórias”, conta emocionada.
O embate a que Fernanda se refere, foi o último confronto entre os seringueiros, trabalhadores da floresta, e os seringalistas, os donos das terras, na luta pela manutenção da floresta e pela distribuição igualitária das propriedades.
Essas manifestações pacíficas eram caracterizadas pelo fato de esses homens da floresta protegerem as árvores com o próprio corpo.
“Nesse embate – lembra Fernanda – eles colocaram as crianças na frente, depois as mulheres e lá atrás os homens. Era a forma que eles tinham para se proteger.”
Chico Mendes: o líder seringueiro
Nessa época de ferozes conflitos, uma voz liderava as manifestações dentro e fora da floresta.
Chico Mendes, nascido em Xapuri, era filho de imigrantes nordestinos que aqui chegaram para viver do ouro branco que escorria das seringueiras.
Sua ascensão política chegou, de fato, com a sua atuação sindical. Mais tarde, Chico Mendes passa a ser reconhecido dentro e fora do país por suas ideias ambientalistas registradas em dezenas de cartas que escrevia.
Depois da desapropriação do Seringal Cachoeira, as perseguições e ameaças aumentaram. Chico Mendes foi assassinado nos fundos de sua casa, em Xapuri, enquanto seguia para o banho.
Com dois tiros de escopeta, a voz do líder da floresta se calou, mas o ideal que Chico Mendes plantou em sua geração ainda está vivo nos extremos do Acre.
Hoje, o Estado tem metade do território protegido ambientalmente e é uma referência no uso extrativista da floresta.
Para saber mais
Lançado em 2008, o documentário Chico Mendes: o preço da floresta foi exibido pelo Discovery Chanel Brasil. O filme reconta o legado do ambientalista e brasileiro que deu a sua vida para salvar a floresta amazônica.
O documentário Chico Mendes: cartas da floresta conta a história de vida dos seringueiros da Amazônia e mostra a luta de Chico Mendes pela autonomia desses trabalhadores.
Para viver um pouco das experiências dos seringueiros do Acre, conheça a Rota Turística Caminhos Chico Mendes.
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